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A construção do “novo pai”

Publicado: 04/12/19 às 13h23

Texto por: Luciana Vidal; Foto por: Bianca Lemos

A presença cada vez mais crescente da mulher no mercado de trabalho tem contribuído para a construção de um novo modelo de pai. Ele já não é tão autoritário como antes, muito menos se limita ao papel de provedor da família. O novo pai é um “mix” de pai e mãe: troca fraldas, dá banho, leva e busca na escola, participa das reuniões, ajuda nas tarefas domésticas e até se permite chorar na frente dos filhos.

Se até o final do século passado a figura paterna desempenhava essencialmente uma função educadora e disciplinadora, segundo códigos frequentemente rígidos e repressivos, hoje os homens aproveitam mais dessa fonte de afeto e desafio que é a paternidade. Os maiores beneficiados com essa mudança de paradigmas são os próprios filhos. Isto porque é a partir da interação com o pai que a criança começa a descobrir a relação com o mundo e a desenvolver mais segurança para explorá-lo.

Diversos autores da psicologia afirmam que a ausência da figura masculina pode produzir conflitos no desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança, resultando em distúrbios de comportamento. A complementariedade do pai e da mãe, bem como a capacidade de definirem em conjunto a educação dos filhos - independente se moram juntos ou não -, possibilita um modelo de crescimento saudável, com uma base estrutural para que a criança se torne um adulto maduro e feliz.

É o que afirma a psicóloga Camila Cury, especialista na Teoria da Inteligência Multifocal e em Análise do Comportamento Humano, e autora do livro “A beleza está nos olhos de quem vê”. Casada com Bruno Oliveira e mãe de Augusto e Alice, ela é presidente da Escola da Inteligência, considerado hoje o maior programa mundial de ensino de habilidades socioemocionais.

Fundamentada na Teoria da Inteligência Multifocal elaborada por seu pai, o psiquiatra, psicoterapeuta, pesquisador e escritor Augusto Cury, a Escola da Inteligência promove, por meio da educação das emoções, a melhoria dos índices de aprendizagem, a redução da indisciplina, o aprimoramento das relações interpessoais e o aumento da participação da família na formação integral dos filhos. Também estimula a postura empreendedora, a criatividade, o combate às drogas e a prevenção ao bullying, além de promover o aumento da qualidade de vida de professores, pais e alunos.

Em entrevista exclusiva à reportagem da Hope!, Camila fala sobre a importância do pai no desenvolvimento socioemocional dos filhos e como seu comportamento pode influenciar na forma como eles irão se relacionar em sociedade. Acompanhe!

 

HOPE! - Criar e cuidar de um filho são atitudes que exigem esforço, tempo, dedicação e paciência. Nem sempre a tarefa é dividida igualmente entre o casal, o que acaba sobrecarregando a mãe. Como o pai pode estar mais presente desde os primeiros meses de vida?

CAMILA – Desde o começo da gravidez, sempre que possível, ele já pode ter esse processo interventivo, cantando para o bebê, fazendo carinho na barriga da mãe... Atualmente, já se sabe que a criança precisa receber estímulos adequados desde a primeira infância. Até os três anos de idade há uma plasticidade neurológica muito maior do que em qualquer outra fase da vida. Então, ter uma imagem privilegiada do pai nesta fase é muito importante, pois esses registros farão toda diferença na sua vida adulta.

 

HOPE! – Você considera que os pais estão mais carinhosos e participativos?

CAMILA - Os pais mudaram. Hoje existe uma parceria muito maior entre o homem e a mulher. Antigamente, os casais tinham 10 filhos. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, as famílias diminuíram e eles passaram a ter mais tempo de curtir os filhos, o que é maravilhoso.

 

HOPE! - Qual a importância da figura paterna no desenvolvimento das competências socioemocionais?

CAMILA CURY - Eu não diria que existe uma função que é só do pai e outra que é só da mãe. Ambos têm papel fundamental e devem estimular a criança a lidar com perdas e frustrações, a compartilhar histórias, a trabalhar sua impulsividade.

Às vezes, entre o casal, um é mais rígido e o outro mais flexível ou vice-versa. Ter esse equilíbrio é importante na visão da criança, para que ela possa entender que as pessoas não são iguais e interpretam a vida de forma diferente. A visão desses dois olhares para dentro, principalmente em casa, faz muita diferença no desenvolvimento.

A criança precisa aprender desde cedo a reconhecer suas emoções e a lidar com o que sente, para que saiba reagir de forma inteligente com as pessoas com quem se relaciona.

   

HOPE! - Como a mulher pode contribuir para fortalecer o vínculo entre pai e filho?

CAMILA - Ela pode começar sendo menos crítica. Se o pai troca, ela reclama que não trocou direito; se deu mamadeira, não fez o bebê arrotar do jeito certo. As mães, sem perceber, pelo excesso de criticidade, fazem com que os pais se sintam incompetentes.

“Então, já que eu não sei fazer, faça você mesmo!” E ele vai se distanciando sem perceber. Daí a mulher reclama, mas muitas vezes ela mesmo promoveu essa situação, porque nada do que ele fez foi suficientemente bom na cabeça dela.

Deixa o pai fazer! Mesmo que a fralda esteja um pouquinho torta, elogie o que ele tem feito, ainda que não seja na excelência do que você faria. Esse é o primeiro ponto. Segundo: cuidado com o excesso de crítica, principalmente quando a criança começa a entender. Comparações pejorativas e negativas -“Nossa, você é bagunceiro igual ao seu pai!” - fazem com que a referência paterna não seja tão saudável quanto deveria ser.

É importante que a mãe, quando o pai chega em casa, diga: “Poxa, o papai chegou. Olha que legal!” – e vice-versa.  Devemos comemorar os encontros. Quando você faz isso, a criança entende que se a mãe está feliz ela também pode ficar feliz.

 

HOPE! - Pesquisas demonstram que a presença do pai possibilita à criança a entrada no contato social de forma mais segura, proporcionando o equilíbrio que ela precisa. E quando o casal é separado?

CAMILA – Historicamente falando, a figura do pai tem muito a ver com essa autoridade, com essa segurança, mas existem mulheres que não têm essa parceria e, mesmo assim, conseguem levar a criança a ter segurança através do seu próprio processo interventivo. Se a mãe é segura, se ela sabe se pontuar, dar limites e ser afetiva, com certeza a criança também será segura ao ser introduzida socialmente.

Quando os pais são separados, é importante que haja uma proteção da imagem e que as diferenças possam ficar de lado para preservar a saúde mental do filho. Toda criança tem um idealismo do pai e da mãe. É claro que ao longo da vida isso acaba mudando, mas deixe que ela mesma mude esse conceito.

Às vezes você acha que o pai é ausente, que dá menos atenção do que deveria. Um dia a criança chegará a essa conclusão. Espere o tempo dela. Não seja você a falar o tempo todo que ele está errado, que não é presente, que abandona. Ela terá uma revolta interna que depois acabará atrapalhando em qualquer relação que estabeleça com o mundo.

Quanto mais os pais puderem preservar, diminuir a crítica e exaltar as qualidades um do outro, melhor será o vínculo construído. E uma criança que tem vínculo saudável com seus pais, com certeza, será mais saudável em qualquer relação na vida adulta.

 

HOPE! - A criança espera coisas diferentes do pai e da mãe?

CAMILA - Depende da função que cada um exerce. É claro que pai e mãe acabam formando um time e, nesse time, cada um tem seu papel. Por exemplo: o Bruno, meu esposo, é uma pessoa muito cuidadosa. É da personalidade dele verificar se as crianças escovaram os dentes direito ou se estão devidamente protegidas para andar de bicicleta. Eu já sou mais aventureira. Então, meus filhos esperam de mim mais aventuras e esperam do pai mais proteção.

Isso depende do perfil de cada um, não tanto por ser pai ou mãe. Os filhos sempre vão esperar dos pais, igualmente, cuidado, proteção e conforto. Cada um vai conseguir traduzir isso da forma como a sua personalidade lhe permite.

O mais importante é transmitir segurança. Olhar para essa criança e entender que o núcleo familiar é sua maior proteção, porque ela vai para o mundo, vai errar, vai falhar, mas sempre terá um lugar seguro para voltar, onde será aceita mesmo com suas imperfeições.

Também é preciso tomar cuidado com o excesso de cobrança. Tem que estimular o filho a se superar, a ser bom no que faz, mas que ele possa entender que é bom o suficiente para atender as suas expectativas enquanto pai, enquanto mãe. Se você conseguir isso, com certeza vai formar um ser humano mais saudável.

 

HOPE! – Por que é fundamental estabelecer limites?

CAMILA - Limites são as plataformas de segurança que você constrói para que seu filho possa se sentir seguro. O que significa isso? Quando você fala “faça isso porque é o certo”, por mais que a criança não goste ou queira fazer ao contrário, você gera segurança no limite.

Eu vejo muitos pais que não traduzem segurança. “Ah, faça o que você quer”, mas a criança ainda nem está madura para escolher! Então, é importante que você seja a segurança que seu filho precisa num período instável, que é o momento social que nós vivemos.

Se você não coloca limites está gerando uma angústia, porque ele não tem maturidade para decidir coisas que você acha que ele deve decidir. Algumas vezes você tem que decidir por ele. Exemplo: Agora não é hora de comer doce, é hora de jantar.

Se ele quer ficar no celular e eu disse 20 minutos, passado esse tempo ele vai ter que entregar o celular. Se ele diz “ah, mas eu não quero!”, você explica o que foi combinado. “É importante que você entenda que a mamãe está fazendo isso porque sabe que o excesso de celular não é bom para você”.

Ele não vai entender, vai chorar, porque só tem três anos, mas eu, como mãe, preciso aguentar tomar decisões pelo meu filho. E os pais têm a mania de achar que o filho precisa aceitar e ficar feliz com a decisão. Hoje ele não entende, mas amanhã sim. E não é isso que vai fazer seu filho te amar mais ou menos. Pelo contrário, fará com que se sinta seguro, porque o pai sabe o caminho que ele deve seguir.

 

HOPE! - Você é filha do renomado psiquiatra Augusto Cury. Quais as principais lições que aprendeu com ele?

CAMILA - A principal delas foi não ter medo de errar. Uma das grandes armadilhas dos pais bem-sucedidos é que eles tentam traduzir para os filhos o quanto são fortes e infalíveis. Mostrar falhas, no conceito coletivo, é traduzir fragilidades.

Meu pai nunca teve medo de mostrar suas falhas para que eu não tivesse medo de ter as minhas. O medo de errar está na base de todo empreendedor, de toda construção de uma família feliz, porque errar faz parte. Quando a gente tem medo do erro, se fecha, não dá o próximo passo, não tenta fazer algo diferente.

Eu tive desde a infância coragem de errar, porque foi trabalhada a minha autoestima. Aprendi que errar faz parte e o recomeço também, e que dentro de mim tinha capacidade de me rever, de me refazer, de me reconstruir.

Os pais precisam trabalhar isso nos filhos: uma autoestima sólida, que permite o erro, porque hoje a sociedade não permite o erro. O erro é um tabu pouco comentando nas famílias. Permita que o erro seja discutido numa mesa de jantar e entenda que isso não anula suas capacidades. Não é porque você tem três dificuldades e três defeitos que está zerado no placar. Um não anula o outro; um regula o outro.

Quando estimulamos a autoestima dos nossos filhos para que possam se sentir competentes, inteligentes e capazes de recomeçar, nós estamos preparando-os para a vida.

 

HOPE! - Alguma lembrança especial marcou sua infância ou adolescência?

CAMILA - Eu tinha mais ou menos 11-12 anos de idade, estava na pré-adolescência e meu estereótipo não era igual das outras meninas aparentemente consideradas belas. Alguns meninos disseram que eu era gordinha e voltei para casa muito triste. Meu pai tentou me convencer que era bonita, mas não conseguiu, porque eu estava bem presa aos conceitos sociais, o que é normal nessa fase.

Então ele me levou para passear, como fazíamos periodicamente, mostrou uma casa bem velhinha, abandonada, e perguntou: “Essa casa é bonita?” Respondi: “Não, papai. É feia”. E ele disse: “Já imaginou quantas pessoas moraram nessa casa? Quantos anos será que ela tem?”. Eu falei: “Deve ter uns 70”“E quem já morou aí? Como eram seus natais, será que tinha muitas crianças, quem ficava na varanda dessa casa?”.

E nós começamos a criar uma história a partir daquela aparente casa feia. Depois de viajarmos no tempo e dar muitas risadas, ele voltou a perguntar: “Essa casa é bonita?” Eu disse: “Sim, papai. Ela é linda”. E ele falou: “Tá vendo? A beleza está nos olhos de quem vê! Nunca permita que as pessoas que não conhecem sua história, que não sabem dos seus sonhos, do seu potencial, te julguem se você é ou não bonita. As pessoas podem te ofender, mas é só você que pode permitir se sentir ofendida. As pessoas podem tentar te diminuir, mas é só você que permite ser diminuído”.

Quando você entende que a autoestima é algo que se constrói de dentro para fora, consegue ensinar aos seus filhos de uma maneira inteligente a olhar o mundo de forma multifocal, e não unifocal. Os pais precisam ter estratégias para educar a emoção. Não basta dar sermões, ter um bom discurso. É importante que o pai e a mãe, de maneira metafórica, encontrem também situações do dia a dia para traduzir aquilo que querem ensinar aos filhos, de forma criativa, como meu pai fez neste episódio.

 

HOPE! - Como é o pai e avô Augusto Cury?

CAMILA - Nossa! O pai é maravilhoso e o avô é em dobro! Ainda mais que ele só teve filhas mulheres e meu primeiro filho é homem e se chama Augusto. Temos uma relação afetiva muito grande. Os princípios que passou para nós (filhas) são os mesmos que tenta passar para as crianças.

Hoje mesmo levou os netos para entregar cobertores aos sem-terra que estavam passando muito frio, para que eles possam desenvolver a empatia e entender que quem tem mais precisa sempre olhar para quem tem menos. Essa é a conta. É a lei da vida.

 

HOPE! - Que conselhos daria para quem deseja ser pai e para aqueles que já são e querem melhorar seu relacionamento com os filhos?

CAMILA - Para quem está pensando em ter filhos, não existe um momento perfeito, mas é importante que haja um planejamento e uma consciência de que toda escolha tem perdas.

Às vezes você vai ter que perder algumas coisas para poder ganhar outras. Talvez você vai abrir mão de algumas noites de festa ou de alguns esportes num determinado período em que a criança exige uma presença maior, mas o retorno de uma relação maternal ou paternal é muito grande. Você acaba tendo um grande parceiro para a vida.

Outro ponto muito importante é buscar ser uma pessoa melhor, todos os dias. Seu filho aprende muito mais observando o que você faz do que com o que tenta ensinar a partir do seu discurso.

Isso é muito sério, porque esse ser humano que você vai formar e colocar na sociedade vai interferir na vida de outras pessoas. Ele vai ter a responsabilidade de gerar luz ou trevas, de gerar sorrisos ou lágrimas. Então, que ele possa ser um ser humano que realmente faz a diferença, promovendo saúde emocional e não destruindo pessoas. A maternidade e a paternidade trazem esse peso e essa responsabilidade muito grandes.